"Pequena história destinada a explicar como é precária a estabilidade dentro da qual acreditamos existir, ou seja, que as leis poderiam ceder terreno às exceções, acasos ou improbabilidades, e aí é que eu quero ver" (Julio Cortázar)


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sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Um dínamo de volição

Marcelo Rayel Correggiari


Marcelo não conhecia Elver. Elver foi apresentado a Marcelo quando começamos a campanha para terminar o "Sem Título Técnica Mista".  A ideia era quase um experimento artístico-antropológico: um escritor observador de seu tempo que captasse por dois meses o universo criativo de Elver Savietto, como se o olho fosse a câmera e as palavras, um documentário escrito desse universo. Abaixo,  deixo vocês e suas sensibilidades com a leitura do texto do Rayel.


Outra forma de dizê-lo, ou de vê-lo, não haveria. Ele é isso: um dínamo de volição. Onde todas as peças se abrem, evoluem e se fecham ao mesmo tempo, onde tudo parece estar conectado a tudo concomitantemente.

Acionado esse dínamo de volição, o criador inorganiza todas as criaturas que, organicamente, crescem ombro a ombro: do giz, desse barro, pelos hálitos infernais dos fornos, do betume denunciante das sutis rachaduras invisíveis.

A peça é a carne de um dínamo de volição.

Nem a sede, nem a fome, o asseio ou sexo estarão na frente da peça de arte: imbuída de marcar o tempo de agora, futuro passado, existe nesse presente como representação da vida como fato, não como indício.

Vivo com o som do ferro sobre a serra, o fardo da solda, esses dedos mergulham no transe de água e terra que, em giros, ganham a graciosidade de formosura. As peças, todas elas, agora estão aqui, saídas do útero quente onde ganham vida esses pães-cerâmica.

E enquanto incandescer esse sangue e reluzir o lustro da mente, não haveria, em qualquer hipótese, esse soslaio do ego, ente lateral que engole o elã e encurta a visão. Ele é para a peça, artística, sem qualquer atalho de distração ou promessa de qualquer origem.

Esse dínamo desconhece qualquer outro afazer que não seja o estabelecimento da peça nesse mundo. Inexistem os afagos de sabores quaisquer enquanto não completa seja a fruição da obra estar no mundo, real, concreta, entre as pessoas.

Para um dínamo de volição, o altar se destina, sempre, à criatura.

Para ele, a vida não é sopro no barro somente. A vida vem da pedra. A pedra, essa tela em branco com todas as veias subjacentes, pródiga em formas sugeridas, onde a sinuosidade nasce no olho de quem vê.

A vida está na pedra que, entre seu estado bruto e o acabado, enquanto o ciclo não se encerra, nada mais importa. A alma está lá dentro, e só será liberta com o talhe e o polir da matéria, em desenho único, inexistente até esse instante.

O coração da criatividade: permitir o conhecimento da matéria, da técnica e do traço, para que a vida, por eles, passe.

Um dínamo de volição dá a importância do que está fora, inalcançável, às vezes, mas presente em cada sístole e diástole. Há de se pensar que nunca enxergamos, ou entendemos, o que verdadeiramente importa. E são poucos os que verdadeiramente entendem que o relevo fundamental, de fato, não é terreno, talvez nem seja natural.

Um dínamo de volição não é alcaide de jurisprudências dos desejos isolados, nem tampouco o amanuense atolado em papéis os quais regulam aquilo que cada um deveria ser.


Um dínamo de volição executa, exclusivamente, aquilo que paira sobre nossas cabeças. E, portanto, não caberia a nós, os moldáveis, olhar sempre para o chão dessas calçadas feias e esburacadas quando a porta é estreita, mas, em direção à beleza física e cintilante, mirar as estrelas.

Entende por que o Elver Savietto merece um filme?

Saiba mais sobre "Sem Título Técnica Mista"

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