Marcelo Rayel
As musas são feitas de um material que vai do humano ao leve. Não se sabe realmente que tipo de impacto elas exercem sobre os pobres criadores, e também não é meu papel aqui dissecar do que seria feita uma musa. Musas são o combustível da criação, não a centelha inicial da intuição artística.
Em geral, as musas não fazem a menor ideia das emoções que apossam os criadores, nem tampouco do que eles nutrem por elas. Alguns afirmam que essa é a graça do negócio. Como costumeiramente sou do contra, acho desencontros amargos e perigosos: quase sempre são o prenúncio de um silêncio que gera uma lamentável improdutividade.
As musas melhoram o humor, causam no criador seus surtos criativos, empurram o artista a por sua cara a tapa, sem maiores receios de censuras ou quaisquer reações dessa natureza. A impressão que se tem é que tudo melhora com a presença de uma musa no coração e no ideário de um criador.
A musa existe. O ruim (para mim) é que a musa desconhece a emoção no criador que ela causa. Um artista que não é apaixonado por sua musa e tenta dela sempre estar próximo continua sendo artista, mas talvez mergulhado numa técnica, aliás bastante funcional, mas sem o menor traço da emoção e da intensidade.
Sim, as musas existem...
A não-correspondência das musas para com seus criadores muitas vezes se deve ao fato de se creditar certo tédio aosavoir-faire que os criadores (e especialmente os escritores) eventualmente internalizariam em seu dia-a-dia. O que é falso, muito, mas muito próximo da mentira. No jogo da aproximação entre os criadores e suas musas, em geral, vale a máxima de quem tem de se mexer são os criadores, uma vez que as musas são o totem da adoração apaixonada.
As musas causam paixões...
É a paixão que o criador tem de sua musa que move a materialização da obra. Uma obra pode se materializar sem uma musa? Perfeitamente. Mas a relação de paixão que o criador tem com a sua musa é que contagia a obra de emoção e sentimento.
As musas são de carne e osso.
Sem essa musa, de carne-e-osso, que fica do lado de fora das páginas dos livros, no contato diário dela com o escritor, esse contato direto do olho no olho, a intensidade e a emoção materializados sofrem grande perda.
Em geral, quando se fala em musa, logo se imagina um ente etéreo. Não, musas não são etéreas, são totalmente carnais, em geral estão do nosso lado, muitas vezes ao alcance da mão. São, inclusive, tocadas pelos criadores. As musas são táteis, podemos senti-las com a ponta dos nossos dedos.
Essas pessoas, de carne e osso, que os criadores chamam de musas, nem sempre são um poço de beleza. São pessoas como todos nós. Há musas que para muitos não passaria de mais um rosto na multidão. O encanto que a musa exerce sobre o criador é uma relação especial, posto que só existe entre aquele criador e aquela musa. Observador algum consegue entender o que foi que o criador viu em sua musa.
Há controvérsias no que tange à fruição, à consumação da paixão entre o criador e sua musa. Há quem diga que o desencontro da paixão do criador por sua musa é que faz a materialização da obra funcionar, uma vez que confere ao fruto da criação sua superfície de convergência mais próxima com o receptor da mensagem (no meu caso, o(a) leitor(a) ). Porque a obra acaba ganhando traços, cores, padrões humanos. Se tanto o criador quanto sua musa são feitos de carne-e-osso, em muito o sobressalto dessa relação se assemelha com eventuais desencontros que acontecem na vida de todas as pessoas.
A minha opinião é um tanto diferente. O gozo da paixão entre o criador e a sua musa é que encorpa a materialização da obra, dá consistência, caldo, reverberação ao que foi criado. É a intensidade definitivamente materializada.
A minha musa tirou-me da mesmice da técnica (logo eu que sou um defensor kantiano da técnica, vejam que ironia!). Hoje eu posso trocar o grito pelas lágrimas diante do belo. Consegui, finalmente, e graças a ela, me emocionar com o simples, ter comigo mesmo a permissão da emoção. Pelas circunstâncias da vida (não, senhoras e senhores, escritores não estão no pedestal superior da arte, são pessoas iguais a vocês, com os mesmo desencontros), não foi possível qualquer espécie de fruição entre eu e ela. Mas tenho fé.
Ou seja, se eu pudesse, levava a minha musa para casa.
Postado originalmente em: http://pelaproa.blogspot.com.br/
Os direitos das imagens deste post permanecem com seus autores originais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário