Fonte: Folha de S. Paulo, 30/03/2009, Cotidiano, C2
O casamento como projeto
Moacyr Scliar
Todo mundo — os pais, os amigos, os colegas de curso, os professores inclusive — diziam que era maluquice. Mas isso não a faria desistir, pelo contrário: estava certa de que sua ideia era absolutamente genial.
"O Projeto Marido". Por que não? Afinal, estava concluindo a faculdade de arte e design. De alguém que vai se graduar em arte, espera-se que tenha muita criatividade. E criatividade não lhe faltara ao bolar o seu projeto. Para a imensa maioria das pessoas, casamento resultava de uma rotina definida: o namoro, o noivado, a festa com a presença dos pais, dos familiares. Ela inovaria. Seu casamento seria como essas instalações que as pessoas veem em bienais e em outras exposições. Não se realizaria num templo ou num salão de festas; não, o cenário seria a própria faculdade, a sala onde os formandos apresentavam aos professores os trabalhos de conclusão de curso. Nessa sala, ela montaria um palco. Quando os professores e os colegas entrassem, a cortina se abriria, e ali estariam eles, ela e o marido, imóveis, abraçados, sorrindo fixamente, ela empunhando a certidão de casamento. Seria um sucesso, midiático, inclusive, e com repercussão mundial. A sua carreira de artista estaria automaticamente assegurada.
O projeto foi elaborado, apresentado aos professores, e, depois de muita discussão, aprovado. Tratava-se agora de levar a coisa adiante, e para isso ela recorreu à Internet. Choveram respostas; tantas que o problema agora era escolher alguém. Decidiu recorrer à sorte. Numerou os candidatos, e optou por aquele cujo número coincidia com o dia do aniversário dela. Por coincidência, o rapaz morava na mesma cidade. Foi procurá-lo, e foi uma decepção; ainda que bem-humorado, como ela exigira na mensagem, era um babaca, um cara ingênuo, sem nenhuma experiência de vida, e feio, ainda por cima. Mas a sorte estava lançada, e, claro, ela sempre poderia recorrer ao divórcio, caso o matrimônio não desse certo. Casaram uma semana antes do encerramento do curso.
Depois dos ensaios e dos preparativos, estavam prontos para mostrar a instalação. Tudo correu como ela previra. Tudo, menos o resultado. Os professores acharam a instalação medíocre, carente de talento. Reprovaram-na sumariamente e deixaram o recinto, acompanhados dos demais alunos.
Ali ficou ela, ainda no seu vestido de noiva. De repente, rompeu num pranto convulso; chorou, como nunca havia chorado na sua vida. Alguém abraçou-a desajeitadamente.
Era o seu marido, claro. Eu sempre estarei a seu lado, disse, com um sorriso tímido. Ela o olhou. Deu-se conta de que não era tão feio assim, o seu marido, e que parecia muito simpático. E aí começou a pensar que, de alguma surpreendente maneira, o projeto tinha dado certo.
Um comentário:
Estudante Britânica: até na Inglaterra os acadêmicos dizem inovar faz mal a saúde.
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