"Pequena história destinada a explicar como é precária a estabilidade dentro da qual acreditamos existir, ou seja, que as leis poderiam ceder terreno às exceções, acasos ou improbabilidades, e aí é que eu quero ver" (Julio Cortázar)


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terça-feira, 22 de abril de 2008

A LARANJA


Murilo Mendes


Quando a laranja aparece, a rosa, a dália e a camélia se eclipsam. A laranja aparenta-se ao lustre de Baudelaire: um objeto circular, luminoso, que acende a imaginação.


Só que o lustre é menos útil. Certos espíritos práticos o acharão mesmo totalmente inútil, decorativo apenas, depois da invenção da eletricidade.


Não relevantarei aqui o exaustivo debate sobre a ética e a estética, o essencial e o supérfluo, a literatura pura e empenhada. Mesmo porque, segundo Kant, não existe nenhum ato gratuito.


Que a laranja é utilíssima, não há dúvida. A laranja (muito bem aceita pela sociedade) tornou-se amante do pão, já que a água é sua mulher legítima.


Os bem-pensantes costumam dizer: "... ficou reduzido a pão e água". Os inconformistas dizem: "ficou a pão e laranja".


De qualquer forma gostaria de estender o uso da laranja a todas as pessoas. Infelizmente dois terços da humanidade vivem de pão e água. Pouca gente pode se dar ao luxo de viver a pão e laranja. Pão, água e laranja tornam-se dia a dia inacessíveis ao homem comum, criado, tal o incomum, à imagem e semelhança de Deus, pai da fartura.

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