Madeleine Alves
Era um dia chuvoso e Rose observava o cair da chuva por detrás da janela. Encolhida em seu sofá, avistava o caminho que a água percorria bifurcar-se, trifurcar-se pelo vidro grande e salpicado de gotículas, enquanto abraçava as pernas recolhidas como quem precisa de um abraço. O queixo por sobre os joelhos. Por sobre a cabeça, nuvens espessas e cinzentas de pensamentos; enquanto que, por dentro, o peito era um poço fundo no qual, talvez, houvesse um mar de sentimentos reprimidos.
Rose despetalava-se naquela tarde de domingo. A chuva fustigava a vidraça e incutia-lhe uma obsessão: quando, enfim, teria uma vida para chamar de sua?
Castrada emocionalmente, castrava outros. Talvez, os mais importantes. Sentia a pele espessa e áspera, como quem há muito tempo não sabia o que era o toque do amor. Teria, algum dia, sabido o que era isso? Saberia, algum dia, o que é isso?
Estava farta dos gritos. De compromissos inadiáveis. De noites insones. Já não suportava mais carregar os fardos alheios. No fundo, a lágrima que agora escorria no rosto de Rose era o caminho tortuoso que a água traçava no vidro e lhe inquiria: ate quando?
Até quando tudo tanto para o mundo...
... e tão pouco para si?
Como quem se contenta com o chocolate mofado no bar da esquina ou o pó do suco insosso do hipermercado. E ainda acha-se com sorte no "Leve 4, Pague 3".
A vida, Rose, cobra cada uma de suas moedas.
E então, Rose murchou e desaguou em lágrimas.
Trovejava lá fora e, aqui dentro, Rose adquiria tons cinzentos nos seus cabelos. Subitamente, o choro era tão sentido - este que fora tão calado e ignorado - que Rose surpreendeu-se por ainda ter a capacidade de chorar. Quando fora a última vez? Não se lembrava...
Mas agora, desaguando, lembrava-se de uma cena tão terrível quanto bela. Era uma cortina de chuva chegando no horizonte, recém-passando montanhas, lá no alto-mar. Em seu vestido vermelho, sentia o vento beijar-lhe os cachos, sentada na pedra, admirando a tempestade chegar e varrer, acortinar o céu, fundir-se com o mar. Naquele breve instante de contemplação, sentia-se livre. Fora a última vez.
O focinho de seu cão tocou-lhe as pernas. Cabisbaixa, a testa, que tocava os joelhos, levantou e viu aquele ser que nunca a abandonava. E que perseverava amando-a mesmo nos dias mais odiosos. Era um olhar doce, puro e fiel como só um cão poderia lhe dar naquele momento. Rose, então, afagou-o, endireitando o corpo. Olhos inchados e coxas úmidas de sal de lágrimas, estendia-se para encontrar o cão - que só queria brincar.
Does anybody remember laughter?
De graça em graça, o cão salvou Rose como quem planta uma semente de bem naquele jardim que só a alma abarca. A grande janela estava agora salpicada de gotículas pós-chuva. A cidade e sua caixa-d'água romana desativada estendiam-se plácidas, enquanto nesgas de luz solar ousavam cortar as nuvens e, corajosamente, formar novos matizes. Era Deus pintando um novo e inédito pôr do sol.
Rose sorriu novamente: sentia-se rica daquilo que o dinheiro não compra. Tinha olhos para apreciar a riqueza do mundo - que nos é dada de graça. E é disso que se nutre a esperança que invadiu o peito de Rose.
Rose agora sorri novamente: duas borboletas pousam no vidro. É tempo de se transformar.
3 comentários:
Triste, porém lindo... :'(
"como quem planta uma semente de bem naquele jardim que só a alma abarca."
assim ficou seu texto, triste, porém com uma semente de claridade no renascer de cada dia.
Parabéns guria.
A esperança vale ouro! ;)
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