"Pequena história destinada a explicar como é precária a estabilidade dentro da qual acreditamos existir, ou seja, que as leis poderiam ceder terreno às exceções, acasos ou improbabilidades, e aí é que eu quero ver" (Julio Cortázar)


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terça-feira, 15 de novembro de 2016

"Not too slow, but not too fast": sobre histórias e vinhos

Madeleine Alves

É preciso ter sentidos treinados para captar a substância do mundo. Hoje eu consigo escrever essa frase de modo consciente; mas, há 12 anos atrás, foi esse tipo de intuição que me levou ao curso de Letras. Mesmo tendo emergido à consciência, ela continua um norte, uma bússola que me leva nas instâncias artísticas por onde viajo.

Com o despontar da maturidade, a gente sente nos poros um outro tipo de percepção. É como se as lentes fossem todas reajustadas e, de novo, o mundo se assemelha a uma terra  nova, um novo desbravar. Contudo, esse "ajuste de lentes" só é possível àqueles que navegaram nos mares ora calmos, ora bravios, da experiência vivenciada. 

Eu nunca tive - nem tenho - pressa em criar histórias. Em geral, quando mais nova, ainda na faculdade, tive o insight de que, para se contar boas histórias - histórias relevantes, interessantes para o público, que "dessem caldo" - além da técnica (estudada à exaustão de tal modo que se introjetasse no íntimo do criador/autor e fluísse na subjacência textual), é preciso um tempo de maturação pessoal através da vida cotidiana.

Ainda há na Academia uma crença de que o autor não precisa vivenciar o que expressa para expressá-lo. Que tudo pode ser fruto de mera abstração. No entanto, a teoria, na prática, é muito diversa. O poeta pode até ser um fingidor - mas certamente fingirá a partir da veracidade do vizinho, da velhinha do ônibus, da mocinha no metrô, do colega de trabalho. Há sempre que ter um pé na fantasia e outro no cotidiano para que a história seja realmente boa. 

É por isso que não sou adepta do fast 'n furious. Como quem cultiva uvas e decanta vinhos, acho que me assemelho mais. Há que conhecer a procedência da semente e as propriedades do solo; cultivar as videiras sob a observação cautelosa do sol, das fases da lua, das pragas, da tábua das marés (no meu caso, que sou criadora à beira-mar) e todas as suscetibilidades do tempo. Colher histórias como quem escolhe as melhores uvas do pé e, numa festa, amassá-las para extrair seu sumo. Conservá-las em barris de carvalho aguardando sua fermentação e maturação até que estejam prontas para o paladar do público, no formato ideal de rótulo e garrafa.

A única diferença é: as uvas e as plantações estão o tempo todo ao redor - a qualquer momento pode-se dar a colheita. E, justamente por isso, a maturação do criador se faz necessária. Frequentemente, a pressa nos faz colher uvas que dão mau vinho.

Not too slow, but not too fast. O timing e a expertise que diferem qualquer história daquela que realmente vale a pena. E não se vende por qualquer preço.

Um comentário:

Unknown disse...
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