"Pequena história destinada a explicar como é precária a estabilidade dentro da qual acreditamos existir, ou seja, que as leis poderiam ceder terreno às exceções, acasos ou improbabilidades, e aí é que eu quero ver" (Julio Cortázar)


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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Do Silêncio Que Não É Mudez

Madeleine Alves

Os painéis captavam o olhar no centro do shopping. A cultura que emana deles atravessa séculos em pena, pele e pigmentos. São fotos altas, grandes, que, tal qual labirintos, erigem as paredes de ciranda por onde o pessoal passava, sentava, conversava.

Os olhos dela percorriam as cores e expressões num afã selvagem de apreender possibilidades. Tinha ido com um amigo – amigaço mesmo, do fundo da alma da amizade cálida que raramente se estabelece entre os seres hoje –, haviam escutado um jazz do bom e agora, após o deleite auditivo, nada melhor que o deleite visual.

Meio que perdidos, encontravam-se ambos com uma tradição ainda bem que não perdida – mas fiquemos atentos! Toda a moralidade civilizatória, mesmo que miscigenada, s’esfumaça no ar da tez-de-jambo, ainda que presa aos quatro cantos do quadro, ah! prisão libertadora!, ela pensava. ‘A plenitude que se emancipa mais quando alça vôo de dentro das grades...

E por ali ia passeando, os passos, passeando, as pernas, passeando, as almas, passeando, as palavras, vagueando, os olhos, passeando, a mente, vagueando, a mente, divagando...

Mas olhos atentos miravam-na do lado de fora.

Os olhos, passeando...

... passeando... passeando...

Então, você acha que ela daria o braço a torcer? Jamais! Continuou passeando pelas penas e vagueando as palavras e divagando mentes. Entrementes, trocava idéias com o seu amigo.

... mas passeava vez em quando para se certificar do passeio dos “outros”...

... que continuavam passeando...

Estabeleceu-se um clima de apreensão visual mútua entre o passeio duplo entre si – ela e ele –, o passeio triplo dele com os amigos, o passeio amigável dela e o passeio múltiplo dos estandartes presos em bambu. Ela não ousava passear mais do que com olhos porque, apesar de estar com um amigo, estava acompanhada, de qualquer forma. Lia na face dele: ‘Ousaria, mas não ouso! Quem é ele?... além do mais, amigos são amigos – que o digam estes dois a divagar comigo.’

O clímax do baile se deu ao quase menearem a cabeça um para o outro em sincronia indescritível... a apreensão que se explode em dúvidas e se torna plena ao captar o momento em grades de movimento tal qual fotografia.

‘Ok – capturemos em nossas mentes este passeio telúrico ante que ele s’esfume por entre nós e nosso tempo.’
...

Enfim os amigos levantaram de suas cadeiras e os olhos andarilhos trataram de devolver o adjetivo às pernas.

Ela? Bem, ela continuou com o amigo, já no fim do seu passeio matizado. Pensando em etnias diferentes, disse-lhe o amigo:

- Somos todos miscigenados, todas as culturas misturadas negros brancos índios que dão resultados diferentes... ...diferentes como você. E, afinal, moça, quem é você?

- Eu? – ela tinha uma expressão entre pensativa e divertida. – Humpf! Eu sou um “?”...
Eu lhe aconselharia focar em close-up os olhos dela antes de acabar tudo num obscuro FADE-OUT.

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